sábado, março 31, 2012

"Diga o juiz quando vai prolatar a sentença!..."

O magistrado de sobrenome Filho (*) era um "pai" para advogados, estagiários, servidores etc. quando se tratasse de deixar correr um papo-furado no seu gabinete.
Mas audiências de instrução, ele não gostava de realizar. Marcava uma solenidade prévia de conciliação - e se o acordo não fosse celebrado, determinava que os autos voltassem "conclusos". E assim o processo ia para uma pilha especial, no gabinete, onde repousava semanas e meses.

O magistrado também não gostava de sentenciar. Enfim era - como chegou a definir um ex-presidente da própria associação de classe - "um juiz que não gostava de processos".
Nesse contexto, sempre que no topo da pilha surgisse um processo complicado, o "doutor Filho"lançava um despacho evasivo: "comprovem as partes, reciprocamente, e em prazos sucessivos, a legitimidade ativa e passiva; após voltem". E assim se perdiam dois meses ou mais.

Em outros momentos, o magistrado prolatava tradicionais despachos que o escrivão - atento e espirituoso - já conhecia como corriqueiros e copiara para seu implacável arquivo: "diga o autor sobre o pedido do réu"; "intimem-se as partes para, em 15 dias, em prazos sucessivos, autenticarem as cópias simples que existem nos autos"; "fale o demandado sobre a pretensão do demandante"; "especifiquem autor e réu as provas que pretendem ver produzidas"; "diga o autor sobre o novo documento juntado"; "manifeste-se o advogado do réu"; "intime-se o procurador do autor sobre o documento de fls".
Certo dia, um advogado, o  Dr. Heitor (*) - já cansado de tantos "diga o autor", "diga o réu" - caprichou numa petição em papel bem mais grosso, com letras garrafais, impressas em vermelho: "As partes já cansaram de dizer;  por isso, diga agora o juiz quando vai prolatar a sentença".

O juiz levou um choque - afinal o Dr. Heitor era tão polido que jamais se esperaria que, dele, partisse uma petição que fosse, ao mesmo tempo, singela, objetiva, irônica e ferina.
Para livrar-se do problema, o juiz encaminhou à Corregedoria, então, imediato pedido de férias atrasadas.  Foi designado um magistrado substituto, recém promovido à capital, que recebeu como tarefa, sentenciar 60 ou 70 processos de uma pilha empoeirada, além daquele em que o Dr. Heitor concitava o magistrado titular a que, afinal, dissesse quando prolataria sentença.
O substituto desincumbiu-se com sucesso total.

E na volta das férias, o "Dr. Filho" foi promovido ao tribunal. Por merecimento.
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(*) Os nomes são fictícios.




Fonte: Espaço Vital

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