fica tranquila e
espera.
Até que as
trevas sejam luz,
e a quietude
seja dança”
− T. S. Eliot
Quem já se
colocou à testa de qualquer dos Poderes do Estado brasileiro certamente fez o
que fiz ainda há pouco: prestar o solene compromisso de atuar sempre nos marcos
da Constituição e das leis, assim, nessa ordem mesma. Com um registro especial
para o ato de posse da presidente Dilma Rousseff, que, sob a mais respeitosa
audição e o mais atento olhar da própria História, se tornou a primeira mulher
a titularizar o cargo de presidente da República Federativa do Brasil. Ungida
que foi, sua excelência, na pia batismal do voto popular.
2. Perguntarão
os que me ouvem e veem: por que o compromisso de tais agentes do Poder é o de
atuar nos marcos da Constituição e das leis, nessa imperiosa sequência?
Resposta: porque na primacial observância da
Constituição e na complementar obediência às leis do Brasil é que reside
a garantia de um
desempenho à altura da relevância dos respectivos cargos. É como dizer:
basta cumprir fielmente a Constituição e as leis, com as respectivas
prioridades temáticas, para se ter a antecipada certeza do êxito de tão honrosas,
elementares e complexas investiduras.
3. É o que sente
e pensa o próprio homem comum do povo, segundo pessoalmente comprovei com a
vivência deste recente episódio que peço licença para
contar: retornava eu de um almoço domingueiro, aqui em Brasília, na companhia
da minha mulher e de um dos meus filhos, quando encontrei ao
lado do nosso automóvel um homem que aparentava de 30 a 35 anos de
idade. Apresentou-se como guardador de carros, mas eu já o conhecia, meio a
distância, como morador de rua. Já o vi mais de uma vez, com uma rede
estendida sob as árvores, a embalar o abandono dele. E assim me dirigiu a
palavra: “ministro Ayres Britto, como o senhor vê, estou aqui tomando
conta do seu veículo para que ninguém danifique o patrimônio da sua família”.
Eu agradeci àquele homem que me conhecia até pelo nome e
procurei nos bolsos algum trocado para recompensá-lo. Em vão. Nenhum dos
três membros da família Britto portava dinheiro, nem graúdo nem
miúdo. Disse então ao meu educado interlocutor: “como o senhor percebe, desta
feita vou ficar lhe devendo”. Ele me fitou diretamente, profundamente, nos
olhos e, altivo, respondeu: “ministro, o senhor não me
deve nada. O senhor não me deve nada, ministro; basta cumprir a Constituição”.
4. Fecho o
parêntese e faço nova pergunta: e por que tudo começa com o dever do fiel
cumprimento da Constituição? Resposta igualmente fácil. É que esse documento de
nome Constituição é fundante de toda a nossa Ordem Jurídica. Diploma inaugural
do nosso Direito Positivo, portanto, e o supremo em hierarquia normativa.
Constitucionalista, eminente Michel Temer, dá lições primorosas quanto ao
conceito de Constituição e Poder Constituinte. A Constituição é primeira e mais
importante voz do Direito aos ouvidos do povo. Donde o seu caráter estruturante
do Estado e da própria sociedade, a um só tempo. Certidão de nascimento e
carteira de identidade do Estado, projeto de vida global da sociedade.
5. Daqui já se
vislumbra o que mais importa: esse diploma jurídico de nome Constituição provém
diretamente da nação brasileira, única instância de poder que é anterior,
exterior e superior ao próprio Estado. Por isso que, pela sua filha unigênita
que é a Constituição mesma, a nação governa permanentemente quem governa
transitoriamente. E o faz, aqui nesta Terra Brasilis, pelo modo mais
intrinsecamente meritório; PE lo modo mais cristalinamente legítimo, pois o
fato é que a menina dos olhos da nossa Constituição é a democracia.
Democracia que nos confere o status de país juridicamente civilizado.
Primeiro-mundista, pois os focos estruturais de fragilidade do País não estão
em nosso arcabouço normativo, mas no abismo que se rasga entre a excelência da
Constituição de 1988 e sua concreta incidência sobre a nossa realidade
sócio-econômica e política. Democracia, enfim, que se enlaça tão intimamente à
liberdade de imprensa que romper esse
cordão umbilical é matar as duas: a imprensa e a democracia.
6. Com efeito, o
mais refinado toque de sapiência política da nossa última Assembleia Nacional
Constituinte foi erigir a democracia como sua principal ideia-força. O
pinacular princípio de organização do Estado e da sociedade civil,
sabido que, de todas as fórmulas de estruturação estatalsocietária, somente a
democracia é que se funda na soberania popular. Democracia que toma o nome de
Federação, quando vista sob o ângulo da divisão espacial do poder político; o
nome de República, já sob o prisma da tripartição independente e harmônica dos
Poderes estatais. Daí esses dois anéis de Saturno que são a
indissolubilidade de laços e a autonomia política, em se tratando do condomínio
federativo. Daí os princípios da eletividade dos governantes, da temporariedade
dos respectivos mandatos, da responsabilidade jurídica pessoal, individual, de
todo e qualquer agente público, do controle externo a que todos eles se
submetem, em se tratando de República. Democracia, enfim, repito, que mantém
com a “plena liberdade de informação jornalística” uma relação de unha e carne,
de olho e pálpebra, de veias e sangue.
7. Claro que há
muito mais a elogiar em nossa Constituição, mas não em um discurso de posse.
Discurso que, pelo que vejo ao redor, nem se faz acompanhar de um bonito
arranjo de flores para tornar a plateia menos indefesa. Por
isso que tento abreviar as coisas, dizendo, em síntese, o seguinte: a nossa
Constituição tem o inexcedível mérito de partir do melhor governo possível
para a melhor Administração possível. A melhor Administração, porque regida
pelos republicanos e cumulativos princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput). Dando-se que
a moralidade tem na probidade administrativa o seu mais relevante
conteúdo, pois sua violação pode acarretar a perda da função pública, suspensão
dos direitos políticos, indisponibilidade dos bens e ressarcimento
ao Erário, sem prejuízo da ação penal cabível e sob a cláusula de que tais
ações de ressarcimento ao Erário são imprescritíveis (§§ 4º e 5º do
mesmo art. 37); ou seja, a Constituição rima Erário com sacrário. Publicidade,
a seu turno, como sinônimo perfeito de transparência ou visibilidade
do Poder. Como princípio de excomunhão à ruinosa cultura do biombo, da
coxia, do bastidor. A silhueta da verdade só assenta em vestidos transparentes.
8. Já o melhor
governo possível, porque não basta aos parlamentares e aos chefes de Poder
Executivo a legitimidade pela investidura. É preciso ainda a legitimidade pelo
exercício, somente obtida se eles, membros do poder, partindo da vitalização
dos explícitos fundamentos da República (“soberania”, “cidadania”, “dignidade da
pessoa humana”, “valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa”, “pluralismo político”), venham a concretizar os objetivos
também explicitamente adjetivados de fundamentais desse mesmo Estado
republicano (“construir uma sociedade livre, justa e
solidária”, “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e a
marginalização (a maior de todas as políticas públicas) e reduzir as
desigualdades regionais e sociais”, “promover o bem de todos, sem preconceitos
de qualquer natureza”. Posição em que também fica o Poder
Judiciário, estrategicamente situado entre os fundamentos da República e os
objetivos igualmente fundamentais dessa República. Mas há uma diferença,
os magistrados não governam. O que eles fazem é evitar o desgoverno,
quando para tanto provocados. Não mandam propriamente na massa dos
governados e administrados, mas impedem os eventuais desmandos dos que têm esse
originário poder. Não controlam permanentemente e com imediatidade a população,
mas têm a força de controlar os controladores, em processo aberto para esse
fim. Os agistrados não protagonizam relações jurídicas privadas, enquanto magistrados
mesmos, porém se disponibilizam para o equacionamento jurisdicional de todas
elas. Donde a menção do Poder Judiciário em terceiro e último lugar (há uma
razão lógica e cronológica) no rol dos Poderes estatais (primeiro, o
Legislativo, segundo, o Executivo, terceiro, o Judiciário), para facilitar essa
compreensão final de que o Poder que evita o desgoverno, o desmando e o
descontrole eventual dos outros dois não pode, ele mesmo, se desgovernar, se
desmandar, se descontrolar. Mais que impor respeito, o Judiciário tem que se
impor ao respeito, me ensinava meu pai, João Fernandes de Britto juiz de direito
de carreira do Estado Sergipe e da minha cidade Propriá.
9. Numa frase,
se ao Direito cabe ditar as regras do jogo da vida social, mormente as que mais
temerariamente instabilizam a convivência humana (o Direito é o próprio
complexo das condições existenciais da sociedade, como ensinava Rudolf Von
Ihering), o Poder Judiciário é que detém o monopólio da interpretação e
aplicação final do sistema de normas em que esse Direito consiste. É a
definitiva âncora de cognição e aplicabilidade vinculativa do Direito, como uma
espécie de luz no fim do túnel das nossas mais acirradas e até odientas
confrontações (derramamento de bílis não combina com produção de neurônios). É
o Poder que não pode jamais perder a confiança da coletividade, sob pena de
esgarçar o próprio tecido da coesão nacional.
10. Pronto!
Concluo este passar em revista a nossa Constituição para dizer que ela,
sabendo-se primeiro-mundista, investiu na ideia de um Poder Judiciário também
primeiro-mundista. Por isso que dele fez o único Poder estatal
integralmente profissionalizado. Centralmente estruturado em carreira e sob os
mais rigorosos critérios de investidura, assim no plano do conhecimento
técnico quanto do comportamento ético (para os magistrados sempre vigorou a
lei da ficha limpa). Habilitou-o a melhor saber de si e dos outros Poderes,
pois as respectivas linhas de competência funcional são por ele, Poder
Judiciário, interpretadas e aplicadas com definitividade. A Constituição impôs
aos juízes de primeiro grau a frequência e o aproveitamento em cursos de
formação e aperfeiçoamento técnico, até como pressuposto de promoção na
carreira. Tudo isso de parelha com a imposição de bem
mais rígidas vedações, de que servem de amostra a sindicalização e a greve,
filiação a partido político, participação em custas processuais,
acumulação de cargos (salvo uma função de magistério), percepção de horas
extras, mesmo sabendo que nenhuma categoria funcional-pública supera os
magistrados em carga de trabalho, inumeráveis que são as
chamadas “ações judiciais”. Todos nós magistrados, quando vamos nos
recolher à noite, para o merecido sono, dizemos mentalmente ou inconscientemente,
“Senhor, não nos deixeis cair em tanta ação”. Enfim, a Constituição
conferiu aos magistrados a missão de guardá-la por cima de pau e pedra, se necessário,
por serem eles os seus mais obsessivos militantes (a adjetivação de “obsessivo”
é da ilustrada jornalista Dora Kramer). Por isso que eles, os magistrados,
fazem do compromisso de posse uma jura de amor. E têm que transformar seus
pré-requisitos de investidura – como o notável saber jurídico e a reputação
ilibada – em permanentes requisitos de desempenho.
11. Agora eu
termino com a parte mais devocional da função judicante. Peço vênia para
fazê-lo. Os magistrados julgam os indivíduos (seus semelhantes, frise-se), os
grupos sociais, as demandas do Estado e contra ele, os interesses todos da
sociedade. O Poder Legislativo não é obrigado a legislar, mas o Poder
Judiciário é obrigado a julgar. Tem que fazê-lo com a observância destes
requisitos mínimos:
I - com um tipo
de preparo técnico ou competência profissional que vai da identificação dos
dispositivos, e às vezes são tantos aplicáveis ao caso, à revelação das
propriedades normativas deles (os textos jurídicos a interpretar são ondas
de possibilidades normativas, para me valer de expressão cunhada pelos
físicos quânticos do início do século XX e a propósito das partículas
subatômicas dos prótons, elétrons e nêutrons);
II - com
serenidade ou equilíbrio emocional, pois é direito subjetivo fundamental do
jurisdicionado saber que o seu processo está sob os cuidados de um
jurisdicionante sereno, equilibrado, calmo. Calma, porém, que não se confunde
com lerdeza, tendo em vista o direito constitucional “à razoável duração do
processo”, com os meios “que garant am a celeridade de sua tramitação” (inciso
LXXVIII do art. 5º);
III - sem
confundir jamais o papel de julgador com o de parte processual, pois o fato é
que juiz e parte são como água e óleo: não se misturam;
IV – tratando as
partes com urbanidade ou consideração, o que implica o descarte da prepotência
e da pose. Permito-me a coloquialidade da vez: “Quem tem o rei na barriga um
dia morre de parto”.
V - promovendo a
abertura das janelas dos autos para o mundo circundante, a fim de conhecer a
particularizada realidade dos seus jurisdicionados e as expectativas sociais
sobre a decisão objetivamente justa para aquele tipo de demanda. Juiz não é
traça de processo, não é ácaro de gabinete, e por isso, sem fugir das provas dos
autos nem se tornar refém da opinião pública, tem que levar os pertinentes
dispositivos jurídicos ao cumprimento de sua, pouco percebida, mediata ou
macro-função de conciliar o Direito com a vida. Não apenas
de sua imediata ou micro-função de equacionar conflitos entre partes
nominalmente identificáveis, exigindo-se-lhe, no entanto, fundamentação
rigorosamente científica;
VI – outro papel
do magistrado contemporâneo, distinguir entre normas que fazem o Direito
evoluir apenas por modo tópico ou pontual, à base de modestos critérios de
conveniência e oportunidade, e normas decididamente ambiciosas quanto à matéria
por elas conformadas, pois, agora sim, ditadas por critérios de imperiosa necessidade.
Normas, estas últimas, que, infletindo sobre a cultura mesma de um povo para
qualitativamente transformá-la com muito mais denso teor de radicalidade, fazem
do Direito um mecanismo de controle social e ao mesmo tempo um signo de civilização
avançada. Por isso que demandantes, essas normas, de interpretação
ainda mais objetivamente fundamentada, pois vão além da simples introdução de
novos comportamentos sociais para mudar mentalidades e assim transformar as
pessoas. E nós sabemos que há pessoas que experimentam imensa dificuldade para
enterrar ideias mortas. A exemplo daquelas normas que, na Constituição mesma, consagram
políticas públicas de enfrentamento dos fatores de desigualdades sociais, aqui
embutidas as que democratizam o acesso das pessoas economicamente débeis à
Justiça e que prestigiam o aparelhamento das Defensorias Públicas. Ou as normas
de cerrado combate à improbidade administrativa e complementarmente propiciadoras
das ações de ressarcimento ao Erário. As promocionais da inata dignidade das
mulheres, do segros, dos sofredores de deficiência física ou mental e as
chamadas “lei da ficha limpa”, “Maria da Penha”, “Estatuto da Criança e do
Adolescente”, “Código de Defesa e Proteção do Consumidor”, “PROUNI” ou
universidade para todos, Lei de Acesso à Informação, comentada ainda há pouco em
um diálogo franco com a eminente presidenta da República, Dilma Rousseff.
Normas ainda definidoras de um desenvolvimento nacional em que a livre iniciativa
exerce um papel de vanguarda, conciliatoriamente com os valores sociais do
trabalho, fortalecimento do mercado interno, criação e refinamento de
tecnologias nacionais, proteção e preservação do meio ambiente (nunca podemos
esquecer que as matas virgens são as que mais procriam);
VII - manejar,
diante do caso ou das teses em confronto, os dois conhecidos hemisférios do
cérebro humano. Esse é um papel atualíssimo, contemporâneo, dos magistrados. Os
dois hemisférios são categorizados como tais pela física quântica e pela
neurociência. Manejar o lado direito do cérebro, no qual se aloja o sentimento.
O lado esquerdo, lócus do pensamento. No sentimento, a geração da energia a que
chamamos de intuição, contemplação, imaginação, percepção, abertura para o
outro e também para a sociedade em geral, disposição para dialogar com a
própria existência, presentificar a vida e assim compartilhar a
experiência que Heráclito (540/480) traduziu com a máxima de que “o ser das
coisas é o movimento”. “Ninguém
entra duas vezes nas águas de um mesmo rio”, pois o fato é que na vida tudo
muda, menos a mudança. Só o impermanente é que é permanente, só o
inconstante é que é constante, de sorte que a única questão fechada dever ser a
abertura para o novo. Embora não devamos confundir o novo com o fashion.
Se tudo é incerto, é porque é certo mesmo que tudo seja incerto. Se tudo é
teluricamente inseguro, que nos sintamos seguros na telúrica insegurança das
coisas. É o nosso lado emocional, feminino, artístico, amoroso, sensitivo,
corajoso, por saber que quem não solta as amarras desse navio de nome coração
corre o risco de ficar à deriva é no próprio cais do porto. Que é a pior forma
de ficar à deriva. Lado do cérebro mais sanguineamente irrigado, a ciência comprova
isso, o lado feminino, e que tanto nos catapulta para o mundo dos valores
(bondade, justiça, ética, verdade e estética, sobretudo), quanto nos livra das
garras da mesmice. Com a virtude adicional de abrir os poros do pensamento ou
inteligência dita racional para que ela se faça ainda mais clara, mais profunda
e mais alongada no seu funcionamento. Já o hemisfério esquerdo do cérebro, este
é o lócus do pensamento, conforme dito há pouco. A nossa banda neural da
técnica e da Ciência. Matriz de uma outra modalidade de energia vital, multitudinariamente
designada por ideia, conceito, silogismo, teoria, doutrina, sistema e todo
o gênero de abstrações que estamos aptos a fazer como seres dotados de razão.
Logo, pensamento que é sinônimo de inteligência racional ou lógica ou
intelectual ou reflexiva ou cartesiana, responsável por um tipo de conhecimento
que se obtém, não de chapa, não de estalo, como um raio que espoca no céu,
porém por metódicas aproximações de um objeto necessariamente isolado ou
fechado em si mesmo. O cientista é aquele que sabe cada vez mais sobre cada vez
menos. À guisa de parte sem um todo (no sentimento é o contrário, um todo sem
partes). Por isso que chamado o científico de conhecimento indireto ou
discursivo ou especulativo, assim como quem se aproxima de um campo minado ou
fortaleza inimiga. Lado, enfim, que nos leva a idolatrar a segurança, tanto
quanto o hemisfério direito nos conduz à justiça. É o nosso hemisfério viril,
não sendo por acaso que o Direito seja uma palavra masculina, enquanto a justiça,
uma palavra feminina. Também não sendo por coincidência que o substantivo
sentença venha do verbo sentir, na linha do que falou esse gênio da raça que
foi o sergipano Tobias Barreto: “Direito não é só uma coisa que se sabe, mas
também uma coisa que se sente”.
Precedido por Platão (......) e seguido por Max Scheler, numa linha mais
filosófica e holista, a saber: Platão (427/347 a.C.) - “Quem não começa pelo
amor nunca saberá o que é filosofia”; Sheler – “O ser humano, antes de ser um
ser um ser pensante ou volitivo, é um ser amante”;
X – entender, o
juiz, que é justamente desse casamento por amor entre o pensamento e o
sentimento que se pode partejar o rebento da consciência. Terceira categoria
neural que nos unifica por modo superlativo ou transcendente dos pólos
primários do sentimento e do pensamento. Consciência que já corresponde àquele
ponto de equilíbrio que a literatura mística chama de “terceiro olho”. O único olho
que não é visto, mas justamente o que pode ver tudo. Holisticamente,
esfericamente, sabido que no interior de uma circunferência é que se fazem
presentes todos os ângulos da geometria física, e, agora, da geometria humana.
Consciência, em suma, que nos leva a transitar do sensível para o sensitivo e
do humano para o humanismo. E que nos habilita a fazer as refinadas ou sutis
distinções entre reflexão e percepção, entendimento e compreensão, conhecimento
e sapiência, segurança e justiça, Estado e sociedade civil, sociedade civil e
nação. Esta última como realidade tridimensionalmente temporal, porquanto
enlaçante do passado, do presente e do futuro do nosso povo. Laço que prende a ancestralidade,
a contemporaneidade e a posteridade da nossa gente.
Encerro o discurso.
Fazendo-o, proponho aos três Poderes da República a celebração de um pacto. O
que me parece mais simples e ao mesmo tempo necessário, e, ao fazê-lo, tenho
certeza de que estarei falando em nome de todos os ministros desta Casa de
Justiça, que é um pacto do mais decidido, reverente e grato cumprimento da
Constituição. Um pacto pró-Constituição, portanto. Pelo que, simbolicamente,
anuncio que, ministro Joaquim Barbosa e eu estaremos distribuindo aos
presentes, por ocasião dos cumprimentos formais, um exemplar atualizado dela
mesma, Lei Fundamental do País. Impresso por atenciosa autorização do
presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, senador José Sarney, a
meu pedido. Senador a quem agradeço e formulo votos de pronta recuperação de
saúde. Senhora Presidente Dilma Rousseff, receba os meus respeitosos e carinhosos
cumprimentos pela sua presença a esta solenidade de minha posse e do ministro
Joaquim Barbosa nos cargos de presidente e vicepresidente, respectivamente, do
Conselho Nacional de Justiça. Também assim o vice-presidente da República,
Michel Temer, amigo pessoal desde os anos 70 do século passado. Cumprimento que
ainda estendo ao Presidente da Câmara Federal, deputado Marco Maia, à senadora
Marta Suplicy, ora respondendo pela presidência do Senado da República, todos na
honrosa companhia do Exmo. Sr. Procurador Geral da República, Roberto Gurgel
Santos, e do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, a
quem emocionadamente agradeço, Dr. Roberto e Dr. Ophir, pela afetiva e até
mesmo cativante saudação que me dirigiram. O século XXI é o século da afetividade.
Sem afetividade não pode haver efetividade do Direito. A mim e ao ministro
Joaquim Barbosa. Vou além para dizer aos queridos servidores da Casa, com quem
passarei a trabalhar com toda honra, e mais a tantas respeitáveis autoridades e
amigos tantos que se deslocaram para este recinto. Em especial, permito-me
citar alguns nomes, sem a pretensão de excluir absolutamente ninguém. Refiro-me
a Daniela Mercury, artista e cidadã admirável, simpatia de gente, que nos regalou
com uma interpretação maravilhosamente personalizada do hino nacional.
Refiro-me a Roberto Dinamite, ídolo vascaíno de sempre, Romário, Dora Kramer,
Ziraldo, Leda Nagle, Milton Gonçalves, Antônio Carlos Ferreira. Cinco últimos e
breves registros: o primeiro, para saudar à distância Celso Antônio Bandeira de
Mello e Fábio Comparato, queridos amigos, referências de preparo científico,
ética e cidadania, que não puderam estar presentes a esta nossa posse. O
segundo, para agradecer as palavras do ministro Celso de Mello, essa enciclopédia
jurídica e cultural da nossa Casa, palavras tão repassadas de desvanecedora
amizade e reveladoras de uma inexcedível qualidade literária, tão própria de
Sua Excelência. O terceiro, para dizer ao ministro Peluso que é uma honra
sucedê-lo na presidência do Supremo e do CNJ; ele, ministro Antônio Cezar
Peluso, que tão ilustra os anais desta nossa Instância Suprema e ao mesmo tempoTribunal
Constitucional com o seu denso estofo cultural, inteligência aguda, raciocínio
tão aristotélica ou cartesianamente articulado quanto velocíssimo, técnica
argumentativa sedutora e vibrante a um só tempo. Tenho a honra de ser seu
colega e de sucedê-lo na presidência. A quarta anotação vai para o ministro
Joaquim Barbosa, também paradigma de cultura, independência e honradez, com
quem partilharei mais de perto a dupla gestão que ora me é confiada. O quinto e
último registro é para a minha família. Inicialmente, meus oito irmãos aqui
presentes, com seus esposos e esposas, meus cunhados, mais um irmão que não
pôde se deslocar da minha querida Propriá, e outro irmão que está aqui, sim, no
meio de nós, mas substituindo seu belo e alegre corpo físico pela feérica luz
do seu amoroso espírito: Márcio. Feérica luz que neste local também se esparrama
por efeito da eternal lembrança do meu pai, João Fernandes de Britto, e de
minha mãe, Dalva Ayres de Freitas Britto, ícones desta minha vida terrena e de
outras vidas que ainda terei, porquanto aprendi com eles dois que o nada, o
nada não pode ser o derradeiro anfitrião de tudo. Em sequência, saúdo meus
cinco amados filhos, Marcel, Adriana, Adriele, Tainan, Narinha, na companhia
dos meus igualmente amados netos Bruninha, Lucas, João Paulo e Davi, além dos
meus estimados genros e noras. Por último, ponho meus olhos nos olhos de Rita,
mulher com quem durmo e acordo, e que também é a mulher dos meus sonhos. Mulher
a quem digo que tinha mesmo que ser abril o mês desta minha posse. Pois abril
foi o mês em que nos conhecemos. O dia 9 foi a cereja do bolo. Rubra como a
pele das manhãs ainda no talo das madrugadas. Doce como o gosto da minha vida,
Rita, ao seu lado desde então.
Obrigado a
todos.
Brasília, 19 de abril
de 2012.